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Endometriose e fertilidade — como aumentar suas chances de engravidar

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Por que falar de endometriose e fertilidade agora?

Você pode estar em uma fase da vida em que o desejo de engravidar ficou mais forte, mas as dúvidas também. A endometriose é comum e, por vezes, silenciosa — e isso a torna desafiadora quando o assunto é planejar uma gestação. A boa notícia é que, hoje, existem caminhos claros e estratégias práticas para aumentar suas chances de concepção, com abordagem individualizada e foco em resultados.

Neste guia, você vai entender por que a endometriose impacta a fertilidade, como obter um diagnóstico preciso e quais opções de tratamento realmente aceleram o positivo. Também trazemos ajustes de rotina que fazem diferença, mitos que atrapalham decisões e um plano de ação objetivo para os próximos 90 dias. Informação certa, no momento certo, é poder — e pode encurtar sua jornada até a gravidez.

O que é endometriose e como ela afeta a fertilidade

A endometriose acontece quando tecido semelhante ao endométrio (a camada interna do útero) cresce fora da cavidade uterina, geralmente nos ovários, peritônio e intestino. É uma condição inflamatória crônica que acomete cerca de 10% das mulheres em idade reprodutiva. Dor pélvica, cólicas intensas, dor na relação e alterações intestinais no período menstrual são sinais frequentes, mas algumas mulheres têm poucos sintomas e só descobrem a doença diante da dificuldade para engravidar.

Quando falamos em fertilidade, o impacto da endometriose é multifatorial. A inflamação pélvica aumentada, as aderências entre órgãos e a presença de endometriomas (cistos no ovário) podem atrapalhar o encontro do óvulo com o espermatozoide e a implantação do embrião. Em algumas pacientes, a reserva ovariana diminui mais cedo, o que afeta a resposta aos tratamentos de reprodução assistida.

Mecanismos que dificultam a concepção

– Inflamação crônica: substâncias inflamatórias no líquido peritoneal podem prejudicar a motilidade das trompas, a qualidade do óvulo e o ambiente de implantação.
– Aderências e distorção anatômica: aderências pélvicas podem “travar” as trompas e o ovário, dificultando a captação do óvulo.
– Endometriomas: cistos no ovário ocupam espaço, alteram o tecido saudável e podem reduzir a reserva ovariana, principalmente após cirurgias repetidas.
– Alterações imunes e hormonais: há evidências de disfunções na resposta imune local e na receptividade endometrial, afetando a implantação.
– Adenomiose associada: quando o tecido semelhante ao endométrio infiltra a musculatura do útero, a implantação pode ser menos eficiente.

Sinais de alerta e quando investigar

– Dor pélvica cíclica intensa e progressiva.
– Cólicas incapacitantes, especialmente se piores que no passado.
– Dor na relação, dor para evacuar no período menstrual, inchaço e alterações intestinais.
Infertilidade (12 meses tentando, se você tem menos de 35 anos; 6 meses, se tem 35 anos ou mais).
– História familiar de endometriose.

Se você se identificou com um ou mais desses sinais, procure avaliação com ginecologista ou especialista em reprodução humana. Quanto mais cedo o plano é estruturado, melhores as chances.

Diagnóstico preciso: como ganhar tempo e direcionar o tratamento

Um diagnóstico bem feito evita idas e vindas desnecessárias e permite escolher a estratégia que realmente aumenta as chances de gravidez. Hoje, a abordagem é clínica e por imagem, reservando a cirurgia quando existe clara indicação.

Exames que realmente ajudam

Ultrassom transvaginal especializado: é o principal exame para rastrear endometrioma, focos profundos e aderências. Em centros experientes, tem boa sensibilidade.
– Ressonância magnética pélvica: útil para mapear doença profunda (intestino, ligamentos, bexiga) e planejar cirurgias, quando necessárias.
– Avaliação da reserva ovariana: dosagem de AMH (hormônio antimülleriano) e contagem de folículos antrais no ultrassom ajudam a prever resposta a tratamentos.
– Avaliação tubária: histerossalpingografia (HSG) ou histerossonografia com contraste (HyCoSy) verificam se as trompas estão pérvias — dado crucial para decidir entre coito programado/IIU e FIV.
– Exame ginecológico: a história clínica detalhada e o toque bimanual continuam importantes para correlacionar sintomas e achados.

A laparoscopia diagnóstica, antes padrão, hoje é indicada quando os exames de imagem são inconclusivos ou quando há forte suspeita de doença profunda que possa se beneficiar de abordagem cirúrgica, principalmente em casos de dor refratária.

Classificação e impacto reprodutivo

– Tipos: peritoneal superficial, endometrioma ovariano e endometriose profunda infiltrativa. Muitas pacientes têm combinação deles.
– Estadiamento (r-ASRM): classifica a doença em mínima, leve, moderada e grave, útil para padronizar linguagem, mas nem sempre prediz fertilidade.
– Impacto variável: mulheres com doença mínima/leve podem engravidar espontaneamente; doença moderada/grave e adenomiose associada tendem a reduzir as taxas de concepção natural.

Ponto-chave: diagnóstico claro + reserva ovariana + idade + tempo de infertilidade = bússola para o plano terapêutico.

Caminhos de tratamento para aumentar as chances de gravidez

O tratamento deve alinhar dor, extensão da doença e objetivo reprodutivo. O que ajuda a dor nem sempre ajuda a engravidar — por exemplo, contraceptivos suprimem a ovulação e, portanto, não são opção quando você quer conceber imediatamente. Os pilares são manejo clínico, cirurgia seletiva e reprodução assistida, usados de forma integrada.

Manejo clínico e hábitos

– Analgésicos e anti-inflamatórios: úteis para controle da dor, sem interferir na tentativa de engravidar quando usados com orientação.
– Moduladores hormonais: pílula, análogos de GnRH e dispositivos hormonais controlam sintomas, mas inibem a ovulação; são opções quando a prioridade é aliviar dor antes de tentar, ou como preparo antes da FIV em casos selecionados (adenomiose/endometriose profunda).
– Fisioterapia pélvica: melhora dor, função sexual e pode reduzir tensão muscular que atrapalha a relação.
– Estilo de vida: dieta anti-inflamatória, exercício e sono adequado reduzem sintomas e melhoram marcadores metabólicos — um terreno fértil para a concepção.

Quando o objetivo é engravidar, o manejo clínico é suporte; sozinho, raramente resolve a infertilidade.

Cirurgia conservadora: prós e contras

A cirurgia por laparoscopia pode remover focos de endometriose, liberar aderências e tratar endometriomas. Ela tem papel em dor refratária e em casos cuidadosamente selecionados de infertilidade.

Benefícios potenciais:
– Aumento de gravidez espontânea em doença mínima/leve após cauterização/excisão dos focos.
– Melhor acesso tubário/ovariano quando há distorção anatômica significativa.
– Tratamento de endometriomas sintomáticos ou suspeitos, ou quando atrapalham a punção folicular na FIV.

Riscos e limitações:
– Redução de reserva ovariana após ressecção de endometriomas, especialmente com cistos grandes ou cirurgias repetidas.
– Nem sempre melhora a fertilidade em doença moderada/grave; o tempo cirúrgico pode atrasar a reprodução assistida em mulheres com idade avançada.
– Recorrência: a endometriose pode retornar; estratégia pós-operatória precisa ser definida.

Regra prática: se você tem dor incapacitante, suspeita de doença profunda ou endometrioma que dificulta a FIV, a cirurgia considerada em centro experiente pode ajudar. Se a prioridade é engravidar rápido, especialmente após os 35 anos, muitas vezes vale ir direto à reprodução assistida.

Reprodução assistida: IIU e FIV

Inseminação intrauterina (IIU)
– Para quem: doença mínima/leve, trompas pérvias e parceiro com sêmen adequado.
– Como funciona: estimulação ovariana leve + acompanhamento do ciclo + inseminação do sêmen preparado no período fértil.
– Taxas: modestas por ciclo (em geral 10–15% em mulheres jovens), com recomendação de 3 a 4 tentativas antes de reavaliar.
– Quando evitar: trompas obstruídas, doença moderada/grave, adenomiose importante ou idade avançada.

Fertilização in vitro (FIV)
– Para quem: doença moderada/grave, trompas comprometidas, endometriomas que não devem ser operados, falha de IIU, idade ≥35 com reserva ovariana reduzida ou infertilidade associada (fator masculino).
– Vantagens: “bypassa” trompas e aderências, permite selecionar embriões e, em algumas clínicas, fazer teste genético quando indicado.
– Números realistas: taxas de sucesso variam com idade e reserva; mulheres 40, 5–15%. Na endometriose grave, pode haver leve redução de óvulos recuperados e de implantação, mas as chances continuam relevantes.
– Estratégias de preparo: em casos de adenomiose ou endometriose profunda, alguns protocolos usam análogos de GnRH por 1–3 meses antes da transferência, visando melhorar a receptividade endometrial. O “freeze-all” (congelar todos os embriões e transferir em ciclo posterior) pode ser considerado.

Decisão inteligente: foque em quantos meses você pode esperar, qual sua reserva ovariana e qual intervenção tem maior probabilidade de entregar um positivo dentro desse prazo.

Estratégias práticas para otimizar a fertilidade no dia a dia

Mudanças simples, consistentes e baseadas em evidências elevam a chance de sucesso, seja naturalmente, seja com tratamentos. A endometriose é uma doença inflamatória; o estilo de vida é um aliado real.

Alimentação e suplementos com evidência

– Padrão mediterrâneo: priorize vegetais coloridos, frutas, leguminosas, grãos integrais, peixes gordurosos (ômega-3), azeite de oliva e nozes. Esse padrão tem efeito anti-inflamatório e pode reduzir sintomas.
– Reduza ultraprocessados: limite açúcar, farinhas refinadas e gorduras trans, que agravam inflamação.
– Proteínas magras e lácteos: opte por carnes brancas e laticínios naturais; algumas pacientes relatam melhora reduzindo carnes vermelhas e embutidos.
– Fibras: ajudam na metabolização de estrogênios. Inclua aveia, chia, linhaça e vegetais crucíferos (brócolis, couve-flor).
– Ômega-3: salmão, sardinha, cavala, ou suplementos sob orientação, podem modular inflamação.
– Vitamina D: deficiência é comum e pode impactar a função imune; avalie níveis e, se necessário, suplemente com orientação.
– NAC (N-acetilcisteína) e curcumina: há estudos sugerindo benefício em sintomas e marcadores inflamatórios; evidência ainda em evolução.
– CoQ10: pode apoiar a função mitocondrial do óvulo, especialmente com idade avançada.

Observação prática: suplementos devem ser individualizados. Evite automedicação e priorize acompanhamento profissional.

Dor, estresse e saúde sexual

– Controle de dor: analgesia bem feita melhora a qualidade de vida e permite manter uma vida sexual ativa, importante para tentativas naturais.
– Fisioterapia pélvica e terapia sexual: ajudam a reduzir vaginismo e dor na relação, melhorando conforto e frequência sexual.
– Gerenciamento do estresse: mindfulness, ioga e psicoterapia podem reduzir percepções de dor e melhorar adesão aos tratamentos.
– Sono: 7–9 horas de sono regular melhoram regulação hormonal e reduz inflamação.
– Exposição a disruptores endócrinos: minimize BPA (substitua plásticos por vidro/inox), prefira cosméticos sem ftalatos e ventilação adequada ao cozinhar.

Sincronize sua tentativa com o período fértil

– Testes de LH (urina): indicam a “janela fértil”. A relação sexual no dia do pico de LH e no dia seguinte concentra a maior chance de concepção.
– Aplicativos e temperatura basal: úteis para reconhecer padrões, mas menos precisos que LH; combine métodos.
– Ultrassom seriado: em ciclos monitorados (coito programado/IIU), confirme ovulação para maximizar timing.
– Freqüência: 1 relação a cada 24–48 horas na janela fértil é suficiente; mais do que isso não aumenta taxas.
– Suporte luteal: em tentativas naturais, nem sempre é necessário; em tratamentos, siga o protocolo do seu médico.

Pequenos acertos de timing têm grande efeito cumulativo — especialmente quando somados a um ambiente corporal menos inflamatório.

Mitos, expectativas e próximos passos

Tomar decisões com clareza encurta caminhos. A endometriose tem heterogeneidade grande e exige personalização; comparar-se a outras histórias pode confundir.

O que esperar de cada abordagem

Mitos comuns, verdades úteis:
– “Cirurgia cura a infertilidade.”
Verdade: a cirurgia pode aumentar a chance de gravidez em doença mínima/leve e aliviar dor em muitos casos, mas não é garantia. Em doença moderada/grave, a FIV muitas vezes traz a chance mais rápida.
– “FIV não funciona em quem tem endometriose.”
Verdade: funciona, sim. Pode haver leve redução em resposta ovariana e implantação em casos severos, mas taxas continuam competitivas, especialmente com protocolos ajustados.
– “Endometrioma deve ser sempre operado antes da FIV.”
Verdade: não. Se o cisto não dificulta a punção e não há suspeita oncológica, muitas vezes é melhor preservar a reserva ovariana e seguir para a FIV.
– “Suprimir hormônios piora a fertilidade.”
Verdade: quando o objetivo é preparar o útero (ex.: adenomiose) ou controlar inflamação, curtos períodos de supressão antes da transferência embrionária podem ajudar.
– “Se não engravidei em 6 meses, nunca vou conseguir.”
Verdade: tempo é um fator, mas estratégia certa muda o jogo. Ajustes de plano, como passar de IIU para FIV, aumentam as probabilidades cumulativas.

Expectativas realistas:
– Idade importa. Reserve ovariana e qualidade dos óvulos declinam com o tempo; isso orienta prazos de decisão.
– A soma de probabilidades ao longo de meses é o que conta. Um ciclo pode falhar, mas a estratégia com boa taxa por tentativa tende a entregar resultado em menos tempo.
– Bem-estar não é luxo: dor controlada e mente tranquila melhoram adesão e consistência — combustíveis do sucesso.

Tome a decisão certa agora

Para transformar informação em ação, siga um plano em 90 dias:

Nos próximos 30 dias
– Agende consulta com ginecologista/reprodução humana. Leve histórico de dor, ciclos e tempo de tentativas.
– Faça ultrassom transvaginal especializado e exames hormonais, incluindo AMH.
– Avalie trompas com HSG ou HyCoSy se houver história de tentativas sem sucesso por mais de 6–12 meses.
– Adote o padrão alimentar mediterrâneo e inicie atividade física leve a moderada (150 minutos/semana).
– Inicie registro da janela fértil com testes de LH.

Dos 30 aos 60 dias
– Defina o plano com seu médico: coito programado, IIU ou FIV, com base em idade, reserva e estadiamento da endometriose.
– Ajuste suplementos com orientação (vitamina D, ômega-3, CoQ10 ou NAC, se indicados).
– Inicie fisioterapia pélvica se houver dor na relação.
– Se FIV for indicada, discuta se há benefício de preparo hormonal curto (sobretudo se adenomiose for suspeita).

Dos 60 aos 90 dias
– Execute o plano: realize 1–2 ciclos de IIU, ou inicie estimulação para FIV.
– Reavalie a dor e adesão às mudanças de estilo de vida; ajuste o que for necessário.
– Se não houver gravidez ou coleta de bons óvulos nesse período, discuta a próxima etapa (ex.: converter para FIV, mudar protocolo, considerar congelamento de embriões).

Checklists rápidos para consulta
– Perguntas-chave para seu médico:
– Minha endometriose é mínima/leve ou moderada/grave?
– Minhas trompas estão pérvias?
– Qual é a minha reserva ovariana (AMH e folículos antrais)?
– Em quanto tempo este plano oferece a melhor chance de gravidez?
– Cirurgia agora aumenta minhas chances ou pode esperar?
– Qual taxa de sucesso esperada para IIU/FIV no meu perfil?
– Sinais de que é hora de mudar de estratégia:
– 3–4 IIUs sem sucesso.
– Idade avançando sem gestação em 6 meses.
– Baixa resposta a estimulação ovariana; considerar ajustes de protocolo.
– Dor que persiste e atrapalha a vida sexual e o tratamento.

Resumo prático para guardar
– Entenda seu diagnóstico: tipo e extensão da endometriose + reserva ovariana + trompas.
– Combine alívio de sintomas com foco reprodutivo, sem perder tempo valioso.
– Em doença mínima/leve e trompas pérvias, IIU pode ser um bom primeiro passo.
– Em doença moderada/grave, idade ≥35 ou trompas comprometidas, a FIV costuma ser mais eficiente.
– Estilo de vida anti-inflamatório e manejo da dor potencializam qualquer abordagem.

Você não precisa navegar essa jornada sozinha. Marque uma avaliação com um especialista em reprodução humana, leve estas perguntas e saia com um plano concreto. Cada mês conta — e o passo certo hoje aproxima você do positivo amanhã.

https://www.youtube.com/watch?v=

Dra. Juliana Amato

Dra. Juliana Amato

Líder da equipe de Reprodução Humana do Fertilidade.org Médica Colaboradora de Infertilidade e Reprodução Humana pela USP (Universidade de São Paulo). Pós-graduado Lato Sensu em “Infertilidade Conjugal e Reprodução Assistida” pela Faculdade Nossa Cidade e Projeto Alfa. Master em Infertilidade Conjugal e Reprodução Assistida pela Sociedade Paulista de Medicina Reprodutiva. Titulo de especialista pela FEBRASGO (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) e APM (Associação Paulista de Medicina).

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