Entenda a menopausa e o papel dos hormônios
A menopausa marca a fase em que os ovários reduzem a produção de estrogênio e progesterona, hormônios que protegem ossos, coração, cérebro e pele ao longo da vida reprodutiva. Essa queda hormonal não é apenas um marco no ciclo menstrual; ela produz mudanças sistêmicas que explicam os sintomas e os riscos de saúde que muitas mulheres enfrentam após os 45–50 anos. Quando bem indicada, a reposição hormonal pode reduzir sintomas incômodos e prevenir desfechos importantes, mas seu uso exige avaliação individualizada.
A diminuição do estrogênio se relaciona a ondas de calor, insônia, irritabilidade, ressecamento vaginal e queda da libido. Além do desconforto, há repercussões silenciosas: aceleração da perda de massa óssea, piora do perfil lipídico, maior rigidez arterial e tendência a alterações metabólicas. Identificar quem se beneficia e quem deve evitar a terapia é o primeiro passo para um cuidado seguro e eficaz.
O que muda com a queda do estrogênio
Com menos estrogênio circulante, ocorre um afrouxamento do controle térmico no hipotálamo, resultando em fogachos e sudorese noturna. A mucosa urogenital fica mais fina e seca, levando a dor na relação, infecções urinárias recorrentes e urgência miccional. No sistema cardiovascular, há impacto sobre a função endotelial e lipídios, com possível aumento de LDL e redução de HDL.
No esqueleto, a reabsorção óssea supera a formação, acelerando a osteopenia e a osteoporose. Em média, a mulher pode perder até 10% de massa óssea nos primeiros 5–7 anos após a menopausa, período crítico para prevenção de fraturas. No cérebro, a queda hormonal contribui para alterações de humor e atenção, além de influenciar a qualidade do sono.
Sintomas e riscos mais comuns
– Fogachos, ondas de calor e sudorese noturna
– Insônia, fadiga e alterações de humor
– Ressecamento vaginal, dor na relação e queda do desejo
– Perda acelerada de massa óssea (osteopenia/osteoporose)
– Mudanças no peso corporal e na distribuição de gordura
– Aumento do risco de doenças cardiovasculares ao longo dos anos
Compreender esse cenário permite planejar intervenções personalizadas, entre elas a reposição hormonal quando indicada, e medidas de estilo de vida que beneficiam todas as mulheres nessa fase.
Reposição hormonal: benefícios, limites e timing
A reposição hormonal alivia de forma rápida e consistente os sintomas vasomotores e urogenitais, além de proteger os ossos enquanto é utilizada. No entanto, não é “tamanho único” nem serve para todas. O benefício clínico e a segurança dependem da idade, do tempo desde a menopausa, do histórico pessoal e familiar e das condições de saúde atuais.
Benefícios comprovados
– Redução significativa de fogachos e sudorese noturna, com melhora do sono e da produtividade.
– Melhora da secura vaginal e da função sexual, especialmente com estrogênio local.
– Preservação da densidade mineral óssea e redução do risco de fraturas enquanto a terapia é mantida.
– Possível redução de risco cardiovascular quando iniciada em mulheres mais jovens (geralmente antes dos 60 anos ou nos primeiros 10 anos pós-menopausa), desde que sem contraindicações.
Além disso, algumas mulheres relatam melhora do humor e da clareza mental, ainda que esses efeitos variem. A reposição hormonal não é indicada exclusivamente para “rejuvenescimento” ou prevenção de doenças sem sintomas; sua indicação principal é o alívio sintomático e a proteção óssea em casos selecionados.
Janela de oportunidade e duração
O momento de início importa. A literatura descreve uma “janela de oportunidade” para iniciar a terapia preferencialmente até 10 anos após a última menstruação e antes dos 60 anos, quando o perfil de risco-benefício tende a ser mais favorável. Em idades mais avançadas ou com longa duração de hipoestrogenismo, cresce o risco de trombose e eventos cardiovasculares.
Sobre a duração, não há uma regra rígida. Em geral, busca-se a menor dose eficaz pelo menor tempo necessário para atingir os objetivos, com reavaliação anual. Em menopausa precoce ou insuficiência ovariana, a reposição hormonal é recomendada até a idade média natural da menopausa (cerca de 50–52 anos), salvo contraindicação.
Quem pode fazer com segurança
Nem toda mulher precisa de hormônios, mas muitas podem se beneficiar quando os sintomas comprometem a qualidade de vida ou há risco elevado de perda óssea. O segredo é uma avaliação criteriosa, que considera contexto clínico, preferências e objetivos.
Perfis que tendem a se beneficiar
– Mulheres com sintomas vasomotores moderados a graves (fogachos, insônia) que interferem no cotidiano.
– Quem apresenta síndrome geniturinária da menopausa (secura, dor na relação, infecções urinárias), sobretudo quando a terapia local não é suficiente.
– Pacientes com alto risco de osteoporose ou queda acentuada de massa óssea, principalmente nos primeiros anos pós-menopausa.
– Mulheres com menopausa precoce (antes dos 40 anos) ou insuficiência ovariana primária, em que a falta de estrogênio prolongada aumenta riscos ósseos e cardiovasculares.
– Pessoas sem contraindicações e dentro da janela de oportunidade (até 60 anos ou até 10 anos após a menopausa), que desejam alívio sintomático e proteção óssea.
Pré-requisitos para iniciar com segurança
– História clínica detalhada (doenças prévias, tromboses, câncer, enxaqueca, cirurgias, gestações, tabagismo).
– Avaliação do risco cardiovascular (pressão arterial, perfil lipídico, glicemia, IMC, estilo de vida).
– Exame ginecológico, atualização de mamografia e, se necessário, ultrassonografia transvaginal.
– Discussão franca de benefícios, riscos, via de administração, dose e plano de monitorização.
– Definição se é necessário estrogênio isolado (mulheres sem útero) ou estrogênio com progesterona (mulheres com útero).
Essa abordagem compartilhada melhora a adesão e a segurança do tratamento. A reposição hormonal é uma ferramenta potente quando bem indicada.
Quem deve evitar ou adiar
Algumas situações exigem cautela ou contraindicam o uso. Reconhecer esses cenários evita complicações e orienta para alternativas terapêuticas.
Contraindicações absolutas
– Câncer de mama atual ou prévio, ou outras neoplasias hormônio-dependentes (ex.: endométrio).
– Histórico de tromboembolismo venoso (TEV), trombofilia conhecida, AVC ou infarto recentes.
– Doença hepática grave ativa (cirrose descompensada, hepatite aguda).
– Sangramento vaginal inexplicado até investigação.
– Doença coronariana ativa, angina instável ou arritmias significativas sem controle.
Nessas condições, a reposição hormonal sistêmica geralmente não deve ser empregada. Em alguns casos, a terapia local vaginal de baixa dose pode ser considerada sob supervisão, pois tem absorção mínima, mas isso requer avaliação individual.
Situações que pedem avaliação cuidadosa
– Hipertensão não controlada: controlar a pressão antes de considerar a terapia.
– Enxaqueca com aura: preferir vias transdérmicas e doses baixas, se a terapia for realmente necessária.
– Tabagismo, obesidade, sedentarismo e hipertrigliceridemia: corrigir fatores de risco e ponderar a via transdérmica.
– Doença da vesícula biliar: estrogênio oral pode aumentar risco de litíase; considerar vias alternativas.
– História familiar importante de câncer de mama: discutir risco individual, rastrear adequadamente e considerar alternativas.
– Diabetes com doença vascular: avaliar risco cardiovascular global e vias com menor impacto metabólico.
Se houver dúvidas, é melhor adiar o início, otimizar condições clínicas e reavaliar. Reposição hormonal não é uma urgência: é uma decisão estratégica.
Tipos de terapia e como escolher o melhor esquema
Vias, compostos e esquemas devem ser personalizados conforme sintomas, histórico e preferências. O objetivo é usar a menor dose eficaz com o melhor perfil de segurança para cada mulher.
Estrogênio isolado versus combinado
– Sem útero (histerectomizadas): estrogênio isolado costuma ser suficiente, pois não há risco de hiperplasia do endométrio. Nesses casos, a reposição hormonal é mais simples e, em geral, com menos efeitos colaterais relacionados à progesterona.
– Com útero: é necessário associar progesterona (ou progestagênio) para proteger o endométrio. A combinação pode ser contínua (sem sangramento) ou cíclica (com sangramento leve mensal).
Quanto à escolha da progesterona, versões micronizadas e alguns progestagênios podem ter perfis diferentes de tolerabilidade. A decisão deve levar em conta sintomas, efeitos adversos prévios e riscos individuais.
Vias de administração: prós e contras
– Oral: prática, ampla disponibilidade e custo acessível. Pode impactar lipídios e aumentar discretamente risco de trombose em mulheres suscetíveis.
– Transdérmica (adesivo, gel, spray): absorção estável, menor impacto no fígado e potencialmente menor risco trombótico; boa opção para quem tem fatores de risco cardiovascular.
– Vaginal (cremes, óvulos, anel): indicada para sintomas geniturinários; baixa absorção sistêmica, excelente para secura, dor na relação e infecções urinárias recorrentes.
– DIU com levonorgestrel: pode ser usado como componente progestagênico para proteger o endométrio quando se faz estrogênio sistêmico.
A escolha da via leva em conta comodidade, perfil de risco e objetivos. Para muitas mulheres com risco vascular, a via transdérmica é preferível.
Doses e esquemas práticos
– Começar baixo e ajustar: iniciar com dose baixa de estrogênio e reavaliar sintomas após 4–8 semanas.
– Esquema contínuo combinado: indicado para mulheres com mais de 12 meses de amenorreia, reduz sangramentos.
– Esquema cíclico: útil no início da transição menopausal, em quem tolera bem sangramentos periódicos.
– Terapia local isolada: para quem tem apenas sintomas urogenitais sem fogachos, priorizar estrogênio vaginal.
A individualização é a regra. Reposição hormonal não precisa ser “tudo ou nada”; às vezes, o estrogênio local resolve o principal incômodo sem necessidade de terapia sistêmica.
Segurança, acompanhamento e alternativas quando não é indicada
Segurança começa na indicação correta e continua com monitorização ativa. Mesmo quem não pode usar hormônios tem opções eficazes para controlar sintomas e proteger a saúde óssea e cardiovascular.
Riscos e como reduzi-los
– Tromboembolismo venoso: risco relativo pode subir com estrogênio oral, especialmente em idades avançadas, obesidade ou trombofilia; preferir via transdérmica em mulheres com fatores de risco.
– AVC e eventos coronarianos: risco é maior quando a terapia começa tardiamente; respeitar a janela de oportunidade e avaliar perfil cardiovascular.
– Câncer de mama: a combinação estrogênio + progestagênio pode aumentar discretamente o risco com uso prolongado; o risco é menor com estrogênio isolado (em mulheres sem útero). Rastreio regular é indispensável.
– Vesícula biliar: estrogênio oral pode elevar risco de cálculos; monitorar sintomas biliares.
Medidas de mitigação incluem escolha cuidadosa da via e dose, controle de pressão arterial, cessação do tabagismo, gestão do peso, atividade física regular e acompanhamento estruturado.
Monitorização clínica e exames
– Reavaliação em 6–12 semanas para ajuste de dose e checagem de efeitos colaterais.
– Acompanhamento semestral ou anual, com pressão arterial, peso/IMC e revisão de sintomas.
– Mamografia e exames ginecológicos conforme idade e protocolos de rastreio.
– Densitometria óssea em quem tem risco para osteoporose ou já apresenta osteopenia.
– Sinais de alerta para interromper e reavaliar: dor torácica, falta de ar, inchaço doloroso em perna, cefaleia intensa diferente do habitual, icterícia, sangramento vaginal inesperado.
Quando a reposição hormonal não é indicada: alternativas eficazes
Mesmo quando a reposição hormonal não é possível ou desejada, há estratégias robustas para controlar sintomas e reduzir riscos de longo prazo.
Alternativas para fogachos e insônia:
– Inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ex.: escitalopram) ou noradrenalina (ex.: venlafaxina, desvenlafaxina) em doses baixas.
– Gabapentina à noite, útil para suores noturnos e melhoria do sono.
– Clonidina em casos selecionados.
– Terapias não farmacológicas: terapia cognitivo-comportamental para insônia, técnicas de respiração, atividade física regular e higiene do sono.
– Medidas ambientais: roupas leves, quarto fresco, bebidas geladas e evitar gatilhos como álcool e comidas muito picantes.
Cuidado urogenital sem hormônio:
– Hidratantes e lubrificantes vaginais de uso regular.
– Dispositivos de dilatação e fisioterapia do assoalho pélvico para dor e vaginismo.
– Em alguns casos, moduladores seletivos do receptor de estrogênio (como ospemifeno) podem ser considerados sob avaliação médica.
Proteção óssea e cardiovascular:
– Dieta rica em cálcio e vitamina D; se necessário, suplementação orientada.
– Exercícios com carga (musculação, caminhada rápida) e treino de equilíbrio para prevenir quedas.
– Medicações específicas para osteoporose (bisfosfonatos, denosumabe) em mulheres com indicação.
– Controle rigoroso de pressão, glicemia e lipídios; cessar tabagismo e reduzir álcool.
Casos práticos para ilustrar decisões
– Mulher de 52 anos, saudável, com fogachos intensos e insônia há 8 meses: sem contraindicações, dentro da janela de oportunidade, pode se beneficiar da reposição hormonal transdérmica em baixa dose, associada a progesterona se tiver útero.
– Mulher de 61 anos, hipertensa não controlada e com enxaqueca com aura: primeiro controlar a pressão e otimizar fatores de risco; se sintomas persistirem, discutir alternativas não hormonais.
– Mulher de 48 anos, histerectomizada, com ressecamento vaginal e dor na relação, sem fogachos: priorizar estrogênio vaginal local; se sintomas sistêmicos surgirem, considerar estrogênio isolado de baixa dose.
– Mulher com histórico de câncer de mama: evitar terapia hormonal sistêmica; avaliar opções não hormonais para fogachos e medidas locais seguras para a saúde vaginal, sempre com acompanhamento do oncologista.
Perguntas frequentes e mitos
A reposição hormonal engorda?
– O ganho de peso na menopausa é multifatorial e comum mesmo sem terapia hormonal. A reposição hormonal pode ajudar a redistribuir melhor a gordura e melhorar o sono, o que facilita o controle de peso quando aliado a dieta e exercícios.
Quem retirou o útero precisa de progesterona?
– Em geral, não. Sem útero, o estrogênio isolado é suficiente. Exceções raras existem (como história de endometriose extensa), nas quais a adição de progestagênio pode ser considerada.
Só posso usar hormônios por dois anos?
– Não há prazo fixo. Usa-se a menor dose eficaz pelo menor tempo compatível com os objetivos, com reavaliações anuais. Em menopausa precoce, manter até a idade média da menopausa é recomendado, salvo contraindicação.
A terapia aumenta muito o risco de câncer de mama?
– O risco adicional associado a combinações estrogênio + progestagênio depende da duração e do tipo de progestagênio. Em mulheres sem útero, o estrogênio isolado não mostrou aumento e pode até reduzir levemente o risco em algumas análises. De todo modo, acompanhamento e rastreio são essenciais.
Posso começar reposição hormonal muitos anos após a menopausa?
– Quanto mais tarde, maior o risco cardiovascular e de trombose. Avalie cuidadosamente com seu médico; muitas vezes, alternativas não hormonais são mais seguras nessa situação.
A reposição hormonal é sempre sistêmica?
– Não. Para sintomas vaginais isolados, o estrogênio local é altamente eficaz e tem mínima absorção sistêmica, sendo uma ótima opção em muitos casos.
Ao longo da jornada, lembre-se: a reposição hormonal é uma entre várias ferramentas para atravessar a menopausa com saúde e qualidade de vida. A decisão deve ser individualizada, informada e revisada periodicamente.
Para avançar com segurança, converse com seu ginecologista sobre seus sintomas, histórico e expectativas. Peça uma avaliação completa, discuta vias e doses, e construa um plano sob medida. Se a reposição hormonal for indicada para você, inicie com acompanhamento próximo; caso contrário, existem alternativas eficazes para controlar os sintomas e proteger seus ossos e seu coração. O próximo passo é seu: agende uma consulta e comece hoje a cuidar ativamente dessa nova fase.
Juliana Amato, ginecologista, aborda a reposição hormonal, especialmente para mulheres na menopausa, quando ocorre a diminuição do estrogênio. Essa redução pode levar a problemas como perda de massa óssea e aumento do risco de doenças cardíacas e degenerativas. Embora a reposição hormonal seja importante para a saúde da mulher, nem todas podem fazê-la, especialmente aquelas com histórico de doenças cardíacas, hipertensão, câncer de mama ou doenças hepáticas graves. É fundamental que as mulheres busquem orientação médica para uma avaliação individualizada. Mesmo mulheres que não têm mais útero podem precisar de reposição hormonal, mas o tratamento varia. Juliana incentiva a consulta médica e convida as espectadoras a se inscreverem no canal e interagirem com o conteúdo.